Dezembro é o mês estrela no calendário de gente emocionada como eu.
Ficava me perguntando como detestar um mês que, no hemisfério sul, traz o verão, o calor, as festas ao ar livre, as férias, a praia e a caipirinha liberada em plena segunda. E no hemisfério norte traz a neve, o vinho quente, o queijo derretido em todas as suas formas, os mercados de Natal, os festivais de luzes e a oportunidade de usar pijama com estampas bregas durante um dia inteiro sem julgamento. Para uma boa parte de ambos os lados do mundo, Dezembro traz a festança da noite natalina, encontros, o fim de um ano e todas as extravagâncias, sensações de possibilidades e expectativas que só os finais provisórios permitem. Como o fim da primeira temporada de uma série, que, mesmo acabando diferente do que se esperava, deixa espaço para um segundo final que agrade mais ao público. Eu e meu umbigo não conseguíamos entender bem como alguém pode não celebrar tudo isso e chamar este mês colorido de " um mês como outro qualquer ".
Aí, em 2021, comecei o último dia do ano, aquele que me era tão caro antes, no cemitério. Fui enterrar o meu pai. Dia 31 de dezembro de 2021. 11 da manhã e já tinha a certeza que aquele rosto eu só veria por foto dali em diante.
Aliás, o dia 31 veio mesmo para fechar um mês que foi inteiramente dedicado à morte. Algumas delas. Morremos de várias maneiras, descobri há pouco tempo. A morte do meu pai veio com anúncio. Aquela pergunta clássica de jogos ruins e entrevistas pouco criativas: "o que você faria se soubesse que iria morrer em 1 mês?" definiu meu dezembro passado. Uma verdade triste é que, na maioria das vezes, não dá tempo de fazer aquela viagem dos sonhos, aprender a falar francês, dar um último mergulho no mar. A verdade boa é que não importa tanto. A morte aproxima a gente do amor, da gente mesmo, do que vale. Eu nunca quase morri, mas passei um mês falando com meu pai quase todo dia sobre o fim da vida, ouvindo o que ele tinha a dizer, discreta ou escancaradamente, sobre como é saber que a despedida está cruzando a esquina. O que vi nesses dias de adeus foi que amor tem as respostas. E que a gente sabe disso sempre, mas uma confirmação final traz alívio.
Apesar de ter ouvido tantas vezes do meu pai que ele estava em paz, que estava feliz, cercado de amor, que era uma partida bonita; Dezembro de 2022 tem um gosto diferente para mim. Não sei bem em que categoria este mês entra na minha lista a partir agora. Não sou jardineira de drama, não aprecio o cultivo da tristeza. Sigo adiante sem olhar muito para trás por gosto. Também por pressa. A vida adulta dificulta o sofrimento. A gente chora em cima de boletos, de prazos, de listas de tarefas. Mas, nos últimos dias, foi difícil escapar dos sentimentos. Senti como se eu fosse um saco de plástico fino, cheio de água, numa sala coberta de agulhas. Desviando para não estourar e chorar os litros que estavam dentro de mim. Estourei e o choro veio, ainda bem. Tudo me pareceu conectado ao meu pai, à nossa história e àquele Dezembro de 2021. O sorriso da minha filha, as malas arrumadas para a viagem, um gato que passava pela rua, uma música que tocava na rádio. Tudo tinha relação com ele, com o passado e com o futuro que nunca será. Entretanto, este mês não foi só isso. Eu também tive coisas para comemorar. Vivi um começo de 2022 esquisitíssimo, mas ao longo do ano fui conquistando coisas que desejei, me reconstruí de tantas maneiras, tenho muito para celebrar. Acabo 2022 feliz, também em paz, apesar de sentir emoções que não combinam com nada disso. Me vi perguntando se deveria festejar a felicidade, mesmo havendo tristeza em mim. Aliás, é possível ter tanto desses dois sentimentos? Assim tão sincronizadamente? Pensei nas muitas pessoas que detestam datas comemorativas, cada uma por uma razão. Eu as entendo. É normal sentir que não há nada para comemorar. Tá tudo certo não querer celebrar. Porém, essa não sou eu. Nem quero que seja. Talvez isso também não te defina. Ninguém precisa de autorização para estar feliz mas achei por bem colocar em palavras que me autorizo exaltar um mês que também me traz pesar, sem que uma coisa invalide e a outra. Sentir, seja lá o que for, está permitido. Open bar de emoções. Essa é, de certa forma, a minha homenagem para uma pessoa que viveu sempre com um sorriso no rosto e com a positividade nas alturas: a vida continuou. O depois existiu. Está liberado sentir alegria tanto quanto saudade com um cadinho de dor. Nosso coração não está dividido em um ou dois compartimentos. Cabe muita coisa na gente. Decidi fechar o ano com essa ferida aberta em formato de texto para quem sente o mesmo. Para mim também.
Feliz 2023, gente.
Que texto lindo!
Sou do mesmo time e acredito em olhar pra frente, sempre celebrando as pequenas coisas da vida!
Feliz 2023!!!
Um mês difícil e belo. Amei o texto, Lili. 👏